Três ideias para o crescimento de Altair: prever programaticamente as soluções; a confiança estrutural; quanto de mim depender.

Eis a confiança estrutural: a plena consciência de cada membro da equipa e dela no seu conjunto de que toda a gente fará o possível a bem do projeto, que cumprirá as suas responsabilidades plenamente e atenderá todas as necessidades ou desafios que aparecerem, junto a plena fé de que assim obrarão as outras pessoas.

Imaxe de arquivo dun campamento altair.
Un grupo de altaíres de Seteportas-Altaír xoga durante un campamento.

Elias J. Torres Feijó

Em meados dos anos oitenta, quando tivem a honra e o imenso prazer de fazer parte dumha das equipas mais extraordinárias e de qualidade que a vida me concedeu coordenar, no agrupamento scout Itaca ( existente desde 1981, na paróquia de Salomé de Compostela), associação desde 1987 (com sede na rua do Pombal desde finais do ano 1989), desenvolvim um par de ideias, calculo que nada originais mas que não tenho visto desenvolvidas desse modo ao longo do meu percurso associativo: prever programaticamente as soluções e o que denominei “confiança estrutural”. Com esses quadros, como implícito fundamentalmente, fum desenvolvendo a minha participação e atividade de equipa e coletiva, que hoje, 2023, já passou dos quarenta anos. 

I Prever programaticamente as soluções 

A primeira ideia tinha que ver com a produção de documentos e textos em geral para o funcionamento e futuro do agrupamento (o futuro deve ser a principal preocupação da pessoa com responsabilidades diretivas), papéis que creio não conservar e, se calhar, ainda algumha generosa gaveta alberga algures. 

Prever programaticamente as soluções significa que a entidade deve dotar-se de mecanismos que lhe permitam dar resposta a todas as circunstâncias previsíveis que podam vir pola frente ou que a entidade deva enfrentar. Em todas as dimensões: pedagógica, infraestrutural, organizativa, relacional comunitária e intercomunitária, de crescimento ou recessão de membros ou entidades, ou económica, ou institucional. Como se pode calcular, essas soluções nascem do programa, do plano programático, estratégico, da entidade. Da sua visualização a curto, médio e longo prazo. De como imaginamos a entidade, de como a queremos, de como ela é e está. É isto o que norteia e determina aqueles mecanismos associativos. Se queremos que a nossa entidade que hoje tem 5 membros tenha dentro de três 50, se queremos que a dimensão pedagógica responda a desafios de graves problemas, como a violência, a pobreza, a desigualdade, essa dimensão deve estar albergada programaticamente; se queremos ter umha participação comunitária orientada ao bem comum e à coesão social, a nossa estrutura (começo a indicar onde reside um dos núcleos basilares da previsão) deve ter a potencialidade de poder satisfazer esse objetivo. 

Umha previsão programática evita o desconcerto e a improvisação, quando esta se converte em maior desconcerto e fomenta crises internas que podem ser graves se se construírem diferenças que alimentam mais diferenças; evita também o debate conjunturalizado, sendo assim capaz de obrar desde as decisões fundacionais ou desde as elaboradas reflexivamente, em consensos básicos, sem depender de impulsos que fagam à entidade ir por detrás dos acontecimentos. 

E onde e como se prevê? Na estrutura. Na estrutura organizativa de que a entidade se nutra; na identificação de responsabilidades e na sua consequente e adequada repartição, num quadro dinâmico eficaz. Construímos umha entidade em precário e aspiramos a que haja muitas mais em muitos diversos espaços sociais mas a nossa realidade é precária em membros e recursos: a nossa estrutura deve ter previsto o crescimento, ainda que nos pareça grandiloquente e exagerado falar de estruturas internacionais quando somos quatro e numha única cidade. E, para tal, desenhamos responsabilidades que se praticam ou se ativam quando as possibilidades o permitirem e convertem-se em prioridades. 

Parte da produção conceitual associativa deve responder sempre à sua índole de previsão programática; de maneira periódica, avaliativa e prospetiva. De soluções: quer dizer-se: de identificação dos recursos de que a entidade se serve para conseguir os objetivos e responder aos desafios. Se surgir umha demanda externa, qualquer que ela for, a equipa diretiva não olha para os lados nem se pergunta quem a atende: já na sua estrutura e responsabilidades tem identificado quem a atende. E se quiger intervir num determinado espaço social também. Se novos quadros de situação demandarem reformulações pedagógicas, a entidade sabe como deve conduzir o seu processo para tal. 

Prever programaticamente as soluções é a garantia de êxito associativo. Mesmo dotando-se de mecanismos que permitam elaborar programaticamente soluções que não estavam previstas porque a entidade tem modos de identificar os problemas e os mecanismos que conduzam às soluções sobre os alicerces da própria estrutura. 

II A confiança estrutural 

É com muito desagrado que tenho vivido, em todas as dimensões da atividade coletiva em que tenho participado, as queixas das pessoas convertidas em lamúria constante polo muito que tenhem que fazer e de que não podem fazer mais do que fazem (muitas vezes, pouco ou nada). São situações que deterioram a dinâmica dumha equipa porque colocam o foco na eventual injustiça invocada que, por sua vez, justificaria que não fagam aquilo para que se responsabilizaram. 

Não anda longe aquela lamúria das mais diversas justificações de companheir@s para não exercer as responsabilidades que lhe foram atribuídas e assumiram livremente, quando aquelas apresentam todos os visos de narrativas que ocultam preguiças ou desídias. A equipa desnaturaliza-se, passa a ser aquele agregado, e a tristeza e a raiva tomam assento. O que era um projeto instituído sobre a base da satisfação e o compromisso para conseguir objetivos bons e belos fica com umha ferida difícil de superar no estado de cousas em que se gerou. 

Essas situações geram umha enorme impotência no resto da equipa, que deixa de sê-lo para converter-se em grupo ou agregado, e deixam a pessoa coordenadora em situações enormemente difíceis: parecera que as restantes pessoas não fazem o bastante, algumha delas pode aproveitar a deixa para solidarizar-se com a pessoa infratora (sim, infratora) para justificar a própria posição, outras pessoas podem considerar que essas invocações não são verdadeiras, e pode chegar a assentar a desconfiança como marca genética da equipa. 

Eis a palavra-chave: ‘desconfiança’. Já não é o incómodo que a queixa reiterada provoca, nem os desequilíbrios de todo o tipo que pode gerar; tampouco a sensação desorientadora sobre a estabilidade da própria equipa noutras pessoas que fazem e se comprometem de ter que aturar essa perturbadora atitude; nem, mesmo, a complexíssima posição de quem coordena: combater essa atitude podendo levar à rutura e fragilizar a equipa? Deixar passar, com o dano anímico que isso poda significar e a consequente geração de desigualdades no seio da equipa? Naturalmente, outra boa solução é revisar se a repartição de tarefas é a adequada ou se se estão exercendo do modo mais satisfatório ou eficaz; ou se é sintoma doutros problemas na dinâmica da equipa. O problema grave existe quando se pode intuir e até constatar que estamos perante pretextos e que a lamúria é injustificada; ou melhor, apenas pretende continuar a justificar umha atitude parasitária e lesiva; para as pessoas e os fins da entidade.  

Essa desconfiança afeta as pessoas e afeta o projeto, seja ele qual for. A desmoralização é a primeira filha dessas atitudes. 

Actividade do agrupamento Faro Brigantium – Altair na Coruña.

Frente a isso, está a instituição da confiança estrutural como o elemento nuclear da dinâmica da equipa. A magia real que desfaz todas os prejuízos anteriores; a que permite saber o que devemos fazer em cada momento, como tratar um problema em cada passo, sem medo a lesar ninguém, sem medo a tomar decisões que perturbem o projeto; polo contrário, com a satisfação de que se está obrando em consequência de circunstâncias que devem ser atendidas, desde a esfera dos cuidados até à esfera das realizações, de modo cooperativo, colaborativo, honesto. 

Eis a confiança estrutural: a plena consciência de cada membro da equipa e dela no seu conjunto de que toda a gente fará o possível a bem do projeto, que cumprirá as suas responsabilidades plenamente e atenderá todas as necessidades ou desafios que aparecerem na confiança, plena fé de que assim obrarão as outras pessoas;. E de que, se por qualquer circunstância, não puder assumir aquelas, essas ou estes, bastará com manifestar que não pode para que a equipa absorva ou reformule, polo tempo e profundidade que for preciso, as dimensões que não podam ser por ela enfrentadas. Sem ter que dar mais explicações que aquelas que requeiram atenção ou cuidado sobre si mesma. 

Uma confiança que é depositada, como valor fundacional e primeiramente, na pessoa coordenadora, que assume a responsabilidade de atuar sobre essa base porque recebe a fé plena das suas companheiras. E estendida a todas estas, porque sabem que estão atuando com a satisfação de que alguém não se sinta pressionada ou constrangida, aliviando-a, e de que estão contribuindo ao bem comum que delas depende. 

É a magia da fortaleza associativa, da beleza construtiva. 

III Quanto de mim depender

O compromisso é a seiva do associativismo. Nada sem ele é possível e atinge todas as dimensões da lógica associativa: compromisso com os valores e objetivos da associação, compromisso com as suas ações, compromisso com as pessoas. Ele estende, deve estender o seu efeito além dos próprios limites associativos, na extensão e prática dos valores e objetivos a todos os espaços sociais e físicos (Natureza e Humanidade) que o precisem e estejam ao nosso alcance. 

Imaxe da entoación do himno na XII Asemblea Nacional de altair Galiza.

Se aquela confiança significa, na sua formosa origem latina, ter umha fé plena, compromisso afirma umha garantia e um acordo, mútuo. Nelas, há sempre umha dimensão própria e individual e outra coletiva .

Umha das caraterísticas marcantes do projeto educativo Altair e das suas conceção pedagógica e aplicação metodológica é que os objetivos e valores a que as altaíres se comprometem são elas mesmas as que, no quadro da Carta Constitucional, do Método Geral e dos Métodos específicos, identificam, definem, priorizam e se comprometem a levar adiante. Pode haver compromissos, pois, individuais, e de grupo, pequeno, grande, e não tenhem por que ser os mesmos em cada momento e para cada grupo. Quer isto dizer que nós não temos umha lei ou um decálogo universais que prometemos, mas umha mochila de valores que vamos enchendo com as promessas e com promessas com que vamos nutrindo a nossa vida, a individual e a coletiva. 

Eu fum scout com nove anos. Devo muitas cousas ao escutismo: amizades únicas, que os adjetivos das línguas que conheço não podem alcançar a definir na sua maravilha; aventuras e projetos, acampamentos e caminhadas, ideias e sonhos, conhecimentos, pessoas, espaços que desfilam perante a minha mente e a minha imaginação com aura de melancólica paixão de aves sobrevoando regatos, fascinantes. Devo-lhe aprendizagens, equipas, dinâmicas, dúvidas, esforços, debates, crises, organizações, objetivos, valores, cuja lembrança contribui para tentar ser melhor. Aquela altura, e a que, depois de anos de interrupção, conheceu o seu prolongamento, já como responsável educativo, nos anos oitenta, em Compostela, vão em mim como marca genética de pensamento e ação. Podo falar com esta contundência de gratitude precisamente porque essa experiência está na raiz da Altair e porque considero Altair umha proposta que, sempre sob o meu ponto de vista, apresenta vantagens e melhorias que o escutismo (que considerarei sempre um mundo fundamentalmente afim) não porta. 

Com dez anos, salvo erro, fizem a minha promessa scout, à beira do rio mais querido, o Minho, num lugar chamado Caldelas, depois dumha curta caminhada com os meus companheiros scouts; num belo dia nevoento de outono ou isso me devolve a minha memória dumha manhã de 1974. Creio lembrar com exatitude aquela promessa, que fizem juntando e levantando os dedinhos indicador e médio da mão esquerda, falava de deveres, de Lei Scout e da ajuda de Deus e dos meus irmãos scouts (esses dedos simbolizam diversas cousas segundo as diferentes tradições scout: fé e país no caso do MSC a que eu pertencia; Altair saúda com a mão aberta e os cinco dedos estendidos numha potência simbólica estelar extraordinária, de amizade, união, integração, solidariedade, abertura, confiança, etc., que aumenta entrelaçada a outras).

É fascinante comprometer-se, assumir uns deveres, e solicitar para isso ajuda, ajuda que aqui podemos concretizar (fique à margem a crença) no coletivo que nos rodeia, do coletivo de que fazemos parte e em que nos vamos completando: podemos fazê-lo e para isso necessito o coletivo, esse que acredita em que, sem ti nunca seremos nós. 

Mas ainda mais relevante e que é o manifesto e a manifestação do compromisso nesse ato, nessa promessa, é outra frase que pode passar despercebida nas diversas variantes que do texto da promessa se encontrar; e é que, para isso, juravas ou prometias fazer “cuanto de mí dependa’ (o espanhol era o idioma de uso) para cumprir esses deveres e a lei scout. Essa frase resgatei-na no meu interior muitos anos mais tarde para entender o compromisso e a motivação de tentar sempre ir além no contributo para umha sociedade melhor, com todas as quedas, incertezas, desilusões, desenganos, frustrações, tristezas, impotências, raivas, feridas, incompreensões que um simples sorriso de cumplicidade, simpatia, agradecimento, podem curar. Isso é Altair, a magia da mão aberta, do sorriso, por mais que a hostilidade nos cerque. 

É simples: Quanto de mim depender, farei; parece-me o melhor corolário da confiança estrutural; parece-me a expressão da maior confortabilidade para um indivíduo e para um coletivo; quanto de mim depender: dá garantia e segurança; e anima a própria ação, orienta como o que a nossa estrela simboliza, o nosso caminhar; o nosso esforço, o nosso compromisso. Cobra todo o seu sentido no quadro comunitário; sei que farás tudo quanto puderes, tudo quanto de ti depender para que os nossos objetivos e valores, para que o que somos e queremos ser se cumpra. E sei que quando não fizeres quanto de ti depender, quando eu não fizer quanto de mim depender, porque houvo um descanso sentando numha pedra do caminho, porque houvo engano de vieiro, porque não apetecia, porque havia tristeza, desânimo, fastio, tudo recomeçará porque sentirás que estamos a teu lado, porque sentirei que estades a meu lado, para ajudar a ratificar fazer quanto de mim, de ti, de nós, depender; agora, no futuro, quando oportuno for: eis a estrela que guia, a essência do compromisso na sua expressão de dedicação e felicidade.